Toca e foge

Ele liga e eu não atendo. Ele liga, eu atendo e digo que não posso falar. Ele liga, eu não atendo e depois mando sms. Ele liga, marcamos e depois eu digo que estou muito cansada e desmarco. Tem sido assim: Ando a fugir à policia, ou mais concretamente ao J. Não sei que lhe hei-de dizer. Não sei como hei-de olhar para ele. Não sei como lhe dizer que não quero relacionamentos na minha vida neste momento, que ele é um óptimo amigo, que preciso dele, mas nada mais que isso. Mas pressinto que a coisa não vai correr bem, que ele vai sentir que eu o usei, que quando não tinha mais ninguém e estava frágil, era para ele que eu ligava, era para ele que eu contava e chamava e estávamos nós de parelha na conversa, a rir, a ir ao cinema, a comer fora e agora isto, eu a dar-lhe com os pés. Mas não é! Então porque raio sinto que é?! Porque razão sinto este mal estar? Tenho de por um ponto final nesta situação, não gosto nada de coisas a meio, ele liga e eu fujo, parece o jogo do gato e do rato. E quem é o rato?

Surpresas

Que fazer quando tudo parece estar dentro dos eixos, e de repente se é surpreendido? Eu não gosto de surpresas. Gosto de saber com o que contar. Talvez por causa da educação que recebi, aprendi a contar comigo, a planear, e a resguardar-me defendendo-me, podendo deste modo saír antes que a situação se torne dolorosa para quem nela está. Mas desta vez não me apercebi de nada a chegar, nada, e fui apanhada desprevenida. Estava mais o J a regressar a casa depois de termos ido ao cinema e conversávamos sobre coisas de infância, o que cada um fazia de partidas. Ele é um menino da cidade, não sabe nada da vida do campo, e já há algum tempo que eu vinha a falar e ele a ouvir-me sem me interromper, até que a certa altura calei-me também só para ver a sua reacção. Foi quando aconteceu. Beijou-me. Fiquei sem saber o que fazer. Não foi mau nem bom, apenas fui apanhada de surpresa, não estava nada à espera daquilo. E ele a seguir também ficou surpreso com a minha atitude. Perguntou-me se eu não tinha percebido que ele gostava de mim. Dois amigos, somos dois amigos. E ele a dizer que sim e que não, que ele sentía mais do que amizade e eu só sentía era vontade de fugir dali para pôr a minha cabeça no sitio. Mas de onde é que tudo isto apareceu que não vi nada?
 

Baldes de água fria

A 1ª pessoa para quem dei a noticia depois de ter assinado o meu contrato de um ano (UM ANO!), foi para o J. A seguir liguei para os meus pais. Ficaram felizes. Mas acho que eu estava à espera que eles saltassem de alegria e fizessem uma festa, o que não aconteceu. Deram-me os parabéns, disseram muito bem e para eu ter juízo. Como se eu ainda fosse a garota de cinco anos que aprontavam ao Domingo para ir à missa da manhã. Sinceramente, fiquei desolada, como se um balde água fria tivesse sido despejado pela cabeça abaixo depois de me ter arranjado para saír. Porque será que não entendem que deveriam ter sido efusivos e partilhado da minha alegria, com muitos gritos e palmas, e pedirem-me para eu contar ao pormenor como tudo tido acontecido? Será que não percebem que isto é demasiado importante para mim??? O J ouviu-me e depois apenas disse que se eles tivessem reagido dessa forma, muito provavelmente eu não tería reconhecido os meus pais. É verdade. Eles nunca foram dados a manifestações ruidosas ou exibições de felicidade que os fizessem tirar os pés do chão. São pessoas simples que tiveram sempre uma vida dura num ambiente rural onde o silêncio obriga a calar as grandes emoções. Talvez eu já lhes tenha atirado grandes baldes de água fria. Quando ficava sem emprego. Quando pedia ajuda, dinheiro. Quando retornava a casa e me achavam magra e a passar fome, o que nunca aconteceu, mas eles achavam. Tal como eu agora achei pouco, mas é a dimensão da sua felicidade.