Solidões

Andava eu na minha sina, suada e a cheirar a porco, os pés em lume, um sol impiedoso que nem projectava sombra do meio-dia aos prédios lado a lado que corríam a rua estreita, quando ouví o assobio do meu parceiro que fazía a perpendicular. O sinal era para descansar, fumar um cigarro, encostar, qualquer coisa menos continuar nos próximos 10 minutos. Assobiei. Procurei uns degraus, sentei-me e descalcei o que me parecia uma tortura. Doia-me a cabeça e tinha a boca seca e sobretudo, uma enorme vontade de chorar. Porque é que tudo isto me estava a acontecer? Para que raio tinha andado eu tantos anos a queimar noites, a estudar que nem uma louca para ter uma licenciatura e acabar a entregar publicidade manhosa, de porta em porta, sob risco de ser assaltada, violada, acabar desidratada ou até ser atropelada?! Não é justo. Uma enorme solidão caíu sobre mim e assobiei para o meu colega. Não conseguia continuar. Voltei a assobiar. Nada. Mais assobios e nadinha de resposta. Pus-me de pé, o par de ténis na mão. E uma voz nas minhas costas assustou-me. Era uma senhora idosa do R/C, janela aberta, que eu entrasse para tomar um refresco, que lá fora fazía muito calor ao sol do meio-dia. Agradeci e recusei, mas ela insistiu e disse para eu entrar e trazer o meu colega. Para lhe fazermos companhia, falarmos um poucachinho, tinha netos da nossa idade mas nunca estava com eles e tinha muitas saudades.