Monstros na escuridão

Esta manhã, estava eu a arquivar processos quando me vieram chamar. Primeiro, nem liguei e continuei com a minha tarefa que estava quase a acabar, mas a colega referiu que era a senhora do fatinho que estava à minha espera, e nesse instante, caíu-me tudo em cima: É agora. Acabou tudo. Comecei a suar estupidamente, dos sovacos, das mãos, e lembrei-me da cena dos gritos e dos seguranças a pôr a minha pessoa fora do edifício. Nem conseguia engolir, tinha a língua seca, um nó na garganta. Lá entrei, sentei-me e ela passou-me um montinho de papéis para a mão. Depois uma caneta, dizendo que era para assinar as três cópias. E eu a pensar que para me pôr no olho da rua não é preciso tanta papelada, só mesmo com estes malditos advogados. Li. Voltei a ler, não estava a perceber nada do que lía. E ela olhou para mim e deu-me os parabéns, que o meu trabalho era impecável e que a firma contava comigo pelo menos durante o tempo do contrato que agora assinava. Os seis meses de experiência não podiam ter sido melhores. Acho que não percebi. Então... e o sorriso cínico? A forma como me olhavam? Não é para me mandarem embora? Ai, estes monstros que eu inventei com o medo que tive... Que é que eu posso dizer?
 

Contratos, outra vez

Andava eu tão tranquila, tão descansada da minha vida, quando de repente me veio à cabeça que no fim deste mês acaba o meu contrato. É verdade que ninguém me disse nada ainda, nem demonstraram até agora estarem descontentes com o meu trabalho, mas também não mostraram o contrário, e nestas coisas de emprego, infelizmente, já tenho uma dose de má experiências em que tudo parece estar a correr às mil maravilhas e depois, rua! Talvez sejam macaquinhos na minha cabeça, mas acho que todos me olham com olhos piedosos, o que significa que vou mesmo ser corrida. Todos, menos a senhora do fatinho, claro. Essa anda com um sorriso estúpido cada vez que passa por mim, e já me apercebi que o tom em que me dá os bons-dias é cínico, o que significa que lhe deve estar a dar um gozo muito especial este meu sofrimento até aos últimos dias. A vida no contrato, o futuro a prazo, num tempo contadinho, é isto que tem sido a minha história, a minha verdade.