É proibido bocejar

Os meus dias são mais do mesmo, iguais em tudo, uma repetição infindável, carregar no botão do robot para começar e desligar o botão para dar fecho ao expediente. A senhora do fatinho preto chamou-me e deu-me uma advertência: Que levo os dias a abrir a boca. Não percebi. Eu passo os dias calada, nem sequer falo com ninguém, só digo sim ou não, os cumprimentos de boa-educação e nada mais. Nada disso. Que estou sempre com sono. Eu??? Sim, sempre a bocejar. Ah, isso... Fez-se luz na minha cabeça. É bem possível, aborrecida como ando, tudo maquinal, o bocejo é o reflexo do nosso corpo a algo que fazemos de repetitivo introduzindo mais oxigénio no organismo. Hei-de reparar em mim mesma. E reparei. De facto é verdade. Volta e meia, lá estava eu a abrir a bocarra, incontrolável. Tomei nota: Para além dos trajes e das tatoos também não posso bocejar. Isto está a começar a parecer-me uma censura. E eu uma inadaptada. Não estou bem em lado algum. Só sei que estou triste.

 

Rataria

Hoje conheci um rapaz que trabalha a maior parte do tempo na rua. Anda nas conservatórias, tribunais, vai a outros escritórios, recolhe documentos, vai aos bancos, correios, enfim faz recados admnistrativos no exterior para completar os processos dentro do escritório, para que os advogados possam dar seguimento aos assuntos. Tem mais ou menos a minha idade e tem o curso de advocacia por terminar há um século, segundo palavras dele. Eu e ele somos rataria, palavras minhas e ainda dentro da filosofia de vida que eu tinha quando andava a distribuír publicidade pelas caixas de correio. Ou seja, somos pessoal menor. Riu-se. E fez-me bem. Senti-me acompanhada, menos tensa, mais segura de mim. Vezes há em que saber que o nosso infortúnio não é solteiro, é quanto basta para logo uma união nos fortalecer psicologicamente, não querendo com isso dizer, que nos agrada a miserabilidade dos outros ou até nos contentarmos com a nossa. Mas essa companhia de termos um par nas mesmas condições é um conforto para a lembrança. Recordar-me do pessoal da publicidade, trouxe-me à memória dos melhores tempos que passei. Porque será que tudo o que foi parece sempre melhor quando já se foi?