Vidinhas

A minha vida não mudou nada desde que tenho este novo contrato. Continuo a fazer as mesmas coisas, só que claro, com muito mais desenvoltura. Uma e outra actividade novas foram introduzidas no meu dia-a-dia com a experiência que entretanto tenho vindo a adquirir e a linguagem que por aqui se usa, códigos indecifráveis para mim no inicio, são agora termos perfeitamente normais ao meu ouvido e que eu utilizo tão bem como os demais. Mas não estou feliz. Esta não é a minha vocação. Dou comigo pasmada a pensar nos projectos que fazia na faculdade e a luz da fotocopiadora cega-me, levando o brilho de todos os sonhos que idealizei para o meu futuro. Sinto a minha vida pequenina, minúscula, amarrotada comos os papéis que deito ao lixo quando me engano nalguma minuta. Durante estes mais de 6 meses que passaram, não tive retorno de nenhum dos empregos para onde enviei o meu CV. Sei que estamos numa crise imensa mas não posso desistir e, embora tenha emprego, que é mais do que muitos têm actualmente, não quero acomodar-me a um sitio que nada me diz em termos de satisfação pessoal.

Claridade

Finalmente atendi o telemóvel ao J e combinámos uma saída. As coisas ficaram um bocado estranhas logo no inicio, nem eu nem ele sabíamos como é que havíamos de nos cumprimentar, por isso acabámos por dar uma cabeçada um no outro, com tanta coisa de evitar um simples beijo na face ainda foi pior. Ou melhor. Porque depois olhámos um para o outro a pedir desculpa feitos parvos e desatámos a rir da situação caricata em que nós próprios nos colocámos. E falámos francamente, como dois amigos, olhos nos olhos. Eu disse-lhe o que quero dele, mas também tive de ouvir da boca dele que pretende de mim o que um homem pretende de um relacionamento com uma mulher. É justo. Mas nada de promessas de parte a parte. Nem eu estou apaixonada por ele e lhe vou mentir quanto a isso, nem ele vai usar o que sente por mim para exigir mais da nossa amizade. Deixemos as coisas fluírem e se assim não resultar, azar, mas cada um terá de seguir o seu caminho. Beijou-me a testa à despedida. Ainda tremi, pensei que fosse de novo tentar alguma... Tenho de aprender a confiar.