Cenas da vida real

Pleno horário laboral, headsets, o maior paleio, em que posso ser útil, a conversa do costume, aguarde um momento e de repente uma gritaria que ficou tudo num silêncio de cortar à faca. Alguns levantaram-se, risinhos, os clientes em linha à seca e uma operadora aos guinchos de dedo apontado para um supervisor que em passos largos abandonou a sala. Uma outra supervisora bateu as palmas e mandou que retomassemos as linhas e o serviço, que estava tudo bem. A operadora foi levada por um braço, em lágrimas e aos berros. Lembrei-me da minha figura quando me negaram o emprego para a vaga de marketing e tive pena dela. Pensei que devía ter sido despedida. Depois pensei que devía ter dado uma nega a algum avanço mais ousado do supervisor, e murmurei bem-feita e senti alguma satisfação vingativa pela cena pública. Só à hora do almoço, na cantina, e com o tacho à frente é que perdi o apetite quando os boatos começaram a passar como pão que se distribui em pedaços pelos esfomeados. Grávida. Estava grávida do supervisor casado e pai de dois filhos. Não acreditei. Mas era mesmo verdade. Nesse dia, na casa de banho e para quem quisesse ouvir - e ela quería que todas a ouvissem - o supervisor havía-lhe feito juras de amor e promessas de largar um matrimónio estafado e sem salvação, só para ficar com ela, operadora jovem e bonita. Lavei os dentes mas a sensação de mau hálito não me largou o resto do dia.
 
 

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