O galo

Explicar aos meus pais que se viraram do avesso para me pagarem um curso superior, que eu cumpri, que me tornei doutora como eles dizem à vizinhança, e que estou sem emprego porque fui despedida porque é a forma como entendem o termo de um contrato, é dose. Esta não é a maneira como eu tinha imaginado a recepção da minha pessoa no regresso às origens, em definitivo! Se eles estão decepcionados eu também estou. Voltar a casa após tanto tempo sem cá vir, é doloroso. Primeiro, pelas saudades que tinha de tudo isto, do meu quarto, dos meus pais, do verde à volta como não há mais nenhum. Depois, porque só me apercebi deste aperto quando aqui cheguei e os abracei e senti a falta que tinha de todas estas pequenas coisas que durante anos me saturaram. E finalmente, pela desilusão que lhes causei, tanto mais que eu não fui agente no desenrolar do processo, sendo a principal vitima do mesmo. Mas há coisas boas. Despertar ainda noite pelo grito do galo, conferir a exactidão das horas no telemóvel e saber que todas as madrugadas se esganiça pontualmente sem falhar. Aconchego-me na minha cama e sinto-me segura, tão segura e tranquila, que sou pequenina outra vez.

 

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