O toque de uma mão

Não sei se é do calor, se foi da história do jardineiro, mas não me ando a sentir nada bem. Ando muito cansada e todos os dias para me levantar é um frete. Tudo me parece um custo e nada me merece a pena. Vou trabalhar já a olhar para o relógio e a fazer o cálculo a quanto tempo falta para me libertar daquilo tudo, da roupa, dos sapatos, do tormento de me enfiar no metro a abarrotar e regressar ao meu quarto. O J tem-me desafiado para saírmos e conversar mas não me apetece falar. Não me apetece abrir a boca. Não porque não tenha o que dizer, simplesmente não sei por onde começar, ou simplesmente porque se começar tudo vai saber a queixinhas e lamúrias e pressinto que vou caír num pranto sem fim. Ninguém tem que aturar este tipo de coisas, nem mesmo os amigos, nem o J, era o que faltava, saírmos para levar com uma chorona. A minha senhoria pediu-me ontem, depois do jantar, que eu ficasse sentada com ela à mesa. Trouxe um bolo de canela feito por ela. Partiu duas fatias e começou a falar. Que eu devía ir a casa. Não tenho férias, só depois de 6 meses do contrato, uns dias. Não, agora, num fim-de-semana, que se o dinheiro é o problema me empresta. E pôs a mão dela sobre a minha. Não sei que me deu, rompi a chorar que nem uma parva. Levantou-se, veio por detrás de mim e entrançou-me o cabelo, dizendo que me ajudava a fazer o saco para a viagem.
 

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